21.8.13

A lenda do menino dourado....

Na praia da joaquina nasceu o negro Itamar de Oxalá Obokún, filho de pescador, passou a infância brincando à beira mar. Ali, ele aprendeu com os pescadores mais velhos, tudo da pesca artesanal e dos segredos das ondas do mar, os caminhos das correntes marítimas, as marés altas e baixas. Assim botou toga, se fez doutor, senhor e mestre na arte de viver e sobreviver no mar.
Desde jovem amava aquelas águas, e foi com elas que aprendeu a dominá-las com arte, calma e perícia, Nos verões dos anos sessenta a pedido dos poucos moradores e veranistas que tinham casa no povoado, tornou-se o primeiro guarda-vidas daquela praia. Há hoje tão famosa praia internacional dos surfistas. E foi como guarda-vidas que ele ficou conhecido por seus feitos a socorrer os banhistas mais atrevidos. E desta maneira que seu nome virou lenda.
Corpo atlético, um belo exemplar da raça negra, o povo admirava vê-lo correndo pela praia, tinha certeza que ele era um anjo negro, que os orixás tinham posto á beira daquela praia para protege-los dos perigos das ondas do mar.
E numa noite de intenso calor passeando pela beira mar a caminho de casa, depois da saída de um baile, sentindo-se tonto, pensou.. isso é porque passei da conta nas bebidas, resolveu tomar um banho. Quando chegou nas dunas sentou e deixou o corpo cair e adormeceu, não se sabe por quanto tempo. Quando acordou foi com risadas de uma criança que brincava a beira do mar, levantou-se procurou de onde vinha aquelas risadinhas.
Na escuridão da noite tendo a iluminar o brilho da estrela Dalva, ele viu um menino dos seus 7 anos correndo para dentro do mar, pele branca, cabelos longos encaracolados e loiros davam destaque á criança e a felicidade com que ele brincava bloquearam a decisão de ir ao seu encontro. Voltou a sentar na areia e ficou por um breve momento admirando as travessuras do menino.
Pensou em voltar a dormir, precisava descansar e aproveitar a brisa que vinha do mar, refez suas forças, para no passo seguinte entrar na água tomar um banho revigorante antes de voltar para casa. Sabia que sua mãezinha é quem abriria a porta e qualquer diferença em seu semblante seria motivo de uma bela reprimenda; Preciso descansar, tomar um banho antes de chegar em casa, foi o que pensou; Quando ele viu o menino adentrar ao mar. Meu Deus! quem será que está com essa criança, mais que irresponsabilidade! levantou-se e correu na direção do menino queria impedi-lo de ir ao encontro das águas, e quanto mais corria, mais distante ele ficava. Meus Deus! Meu Pai Oxalá, não vou chegar a tempo e com isso imprimiu mais velocidade parecendo que seus pés não tocavam o chão, e o menino continuava na louca disparada fugindo e rindo cada vez mais, quer parecer que agora a fuga era o motivo de tanta algazarra.
Pensou: Mas que moleque atrevido, se conseguir pega-lo vou aplicar umas belas palmadas naquele traseiro. E no instante seguinte o menino esta cada vez, olhando o negro Itamar nos olhos e apontando com o dedinho indicador para dentro do mar. Falou: Deixe me ir ter com minha mãe.
Aquilo deixou o negro Itamar estarrecido: mas, como esta mãe irresponsável entrou no mar e deixou o filho brincando aqui na praia. E foi devagarzinho cercando o menino tinha medo de assustá-lo e terminar por perdê-lo, queria tê-lo nos braços, mas, receoso de encontrar resistência. Mas, ao contrário do que ele pensava, a criança não ofereceu resistência, estendeu os bracinhos e aceitou de bom grado o colo do negro Itamar. Tendo a criança em seus braços, ele pensou: Mas, aonde foi para a infeliz desta mãe descuidada? tenho que procurá-la para entregar o menino e voltar para casa. Foi quando o tempo mudou e uma ventania violenta, surgiu do nada e as ondas do mar ficaram bravias.
E agora? o que fazer? ir pra onde?
A criança parecia desconhecer o temporal, continuava brincando e sorrindo, tendo a sua frente os olhos amedrontados do negro Itamar. A chuva fina e fria congelou o corpo do menino. Itamar resolveu envolver o menino nu em um blazer que trazia amarrado na cintura. O menino não aceita o contato da roupa com a sua pele. esquiva-se e se põe de pé e core para o mar. Bem, agora isso passou dos limites, tenho que dar um basta nas travessuras deste moleque, Saí em louca disparada ao encalce deste moleque, mas, quando mais corria, mais o menino de afastava, tinha asas nos pés.
O corpo miúdo desapareceu nas ondas do mar, as espumas que transbordavam impediam de localizar onde estava o corpo do menino, naquela mistura de ância e medo uma coisa o punha louco, eram as pequenas risadas do garoto parecia que debochava de sua habilidade de nadar. Agora aquilo quer era um salvamento, tornou-se uma disputa.
O vento, as ondas do mar, o corpo cansado da noite mal dormida, tudo era contra suas forças e aquilo foi se tornando difícil de manobrar, sua decisão era nadar para a praia em buscar de salvar agora a sua própria vida. Mas ele tinha fibra, suas forças foram forjadas dentro daquelas ondas, não desistiria tão fácil e a luta contra as ondas o afastaram da beira da praia, agora não enxergava mais nada e perdera o sentido de direção. Pensava, tenho que voltar, tenho que chegar a praia.
O corpo moído pela força despendida, a mente confusa, a alma magoada pela perda foi o que restou em seus pensamentos quando o corpo caiu a beira mar e ali adormeceu. Ao acordar com sol a pino queimando sua pele tendo como recepcionistas pequenas gaivotas que perambularam em busca dos mariscos que as ondas traziam do fundo do mar.
O tempo passou e sempre que alguém o elogiava pela bravura de ter salvado alguém de morrer afogado naquela praia, ouvia dele esta pequena história que sem pé e sem cabeça, que ele distraidamente contava. Sim o sentimento de culpa de haver perdido um menino para o mar. Talvez fosse um método de fugir dos elogios dos bajuladores que o consideravam um nadador imbatível.
Quando o conheci ele já passava dos 50 anos, já não estava no mar, dedicava-se a caminhar nos fins de tarde ou no cair da noite, horas a fios pela praia em busca do que todos ficamos sabendo mais tarde, o sonho acalentado de um dia encontrar o MENINO DOURADO...
E foi no verão de 62 que saímos para pescar, ele me conta das histórias do seu menino loiro que seguidamente aparecia, ora em sonhos, ora no anoitecer, ou no amanhecer, sempre em busca de sua mãe. Ouvi aquela história e calei, não alimentava tal absurdo.
Naquela noite resolvemos dormir ao relento da praia a depois de montar o acampamento preparamos a janta e ficamos de conversa até a madrugada, foi quando ele me pergunta se eu não tinha curiosidade de ver o MENINO DOURADO. Respondi secamente: Itamar meu querido amigo, de lendas, imaginações e visionários o batuque está cheio, gosto de mitologia dos orixás, mas, me afasto de aparições, isso é coisa de gente espiritada. Expus minha opinião, e vi que aquilo não caiu bem, notei uma certa tristeza em seu olhar e o semblante anterior de alegria deu lugar a tristeza, por eu não aceitar o convite, de ver seu MENINO DOURADO. Fez um muxoxo e saiu a caminhar pela praia desanimado ao ouvir minha negativa. Fazer o que? esta é minha opinião e não pretendia mudar. Até aquela data. Recolhemos as linhas e terminou a pescaria voltando para casa.
Semana seguinte, como de costume voltamos a nos encontrar e fomos com um barco em direção ao mar, pretendíamos acampar em uma ilha próxima e ali pescar as corvinas e tainhas. Chegamos e a cortina da noite se fechou sobre nossas cabeças, tanto que o frio da noite impedia de pescarmos, resolvemos dormir. De madrugada voltaríamos a por as linhas na água.
E naquele sono restaurador pelo cansaço despendido de horas de remo caí em um sono profundo. Foi lá pelas tantas da madrugada que acordei e vi o negro Itamar sentado a beira do fogo cozinhando algum alimento, como estava com fome resolvi levantar e participar do que seria o lanche que ele preparava. Para minha surpresa escutei vozes e pensei este nego está louco, deu pra falar sozinho. Calei. fui passo a passo caminhando em sua direção, pretendia escutar o que falava para depois fazer troça de tudo que ouvira.
Pra minha maior surpresa que vi com estes olhos que a terra a de comer, que ele tinha um menino em seu colo, bem acomodado e rindo de tudo que o negro falava.
Fiquei a distância olhando e escutando tudo que aqueles dois conversavam, muito não posso dizer, pois, a mim não pertence, e devo me manter calado sob pena de parecer louco ou espiritado, mas, vamos ao diálogo que ouvi e posso relatar:
O que comiam era um prato de canjica branca com coco, uma massa branca e adocicada que a mãe do Itamar prepara a cada vez que ele ia ao mar, diz que isso era pra dar sorte, não sei onde estava a tal sorte pois nunca pescávamos nada.
A conversa do velho negro e da criança girava em torno de uma suposta viagem e as perguntas do velho Itamar eram sobre como era lá em ÒRÚN se havia peixe e fartura, se era bom e se tinha festa, a cada pergunta o menino ria e no meio da risada a resposta era uma só: Consinca, Cosinca, sei eu o que siguinifica cosinca, devia ser uma afirmação ou confirmação de perguntas. O negro Itamar com paciência e ternura alimentava o menino segurando a tigela da canjica com uma mão e a outra levava os punhados direto a boca da criança que saboreava com apreço e agrado.
Quando terminaram de comer, eles levantaram-se e foi quando ouvi o menino falar ao Itamar:
-Venha minha mãe está nos esperando, venha, vamos depressa.
O negro levantou-se e deu a mão a criança que o conduzia direto ao mar, passando por mim como se eu não existisse, seguindo mar a dentro, até desaparecerem, não sem antes se voltarem e abanarem como se aquilo fosse uma despedida final.
Sim ali estava o MENINO DOURADO, aquele da lenda que prometera que um dia viria busca-lo, negro Itamar não partiria sozinho em sua última jornada em busca de sua morada no céu, seria conduzido ao ÒRÚN por seu orixá, OXALÁ OBOKÚN, o seu MENINO DOURADO...

JOÃO CARLOS DE ODÉ (Póstuma)

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