8.7.12

NEGRO NANDO "O TAMBOREIRO"

( por João Carlos Deodé )

O nego Nando não foi criado por sua mãe, quem verdadeiramente o criou foi minha avó Jovita de Xangô Agodô. Nego tinhoso, filho do capeta. Não é que aquele infeliz com sete anos fugiu de casa e veio bater com os costados nas cercanias da casa da avó.

Era costume das crianças ali do Partenon, na vila São José se acercarem das casas de religião. O Batuque tem esta magia estranha de atrair a criançada da vila, tudo por conta de que naquela época era costume criarem os cabritos na volta das casas. Sempre existia um bando de cabritos a pastarem nos pátios, a maioria amarrada com uma pequena corda em volta do pescoço.
Se existe uma coisa que criança adora é ficar olhando para as travessuras que os pequenos cabritos recém nascidos fazem, os animaizinhos correm, pulam e brincam faceiros. Uma recíproca atração entre as crianças e os cabritinhos, a mutua fascinação das crianças para as travessuras dos cabritinhos, estes correm felizes atrás das criancinhas. Aquilo era uma festa para a gurizada da vila, tendo em vista que não tinha televisão na época.
O nego Nando não tinha pai, sua mãe saia cedo para o trabalho e deixava o guri entregue para uma irmã mais velha cuidar. Resultado: foi só o moleque crescer um pouquinho para sair a perambular pelos becos e vielas da vila. Era um corre-corre atrás do nego Nando
. Aonde será que este infeliz se meteu?

Aprendeu cedo a se virar, alegre festeiro, brincalhão conquistava a todos, e seguia de casa em casa em constante visitas, filando um prato de bóia aqui, um pedaço de pão ali, descobriu os prazeres da rua, resultado passou a ser visita em sua própria casa.
Quando apareceu nas cercanias da casa da vó, fora atraído pelos cabritos que pastavam no pequeno campinho. Ali passava os dias a brincar. Oferecendo água aos animais, mudando a corda de lugar para que os cabritinhos pudessem alcançar melhores pastagens.
Até adentrar a casa demorou um pouco, receoso, com um certo medo e respeito pelo vozeirão e alguns gritos da avó Jovita.
-Deodé vem aqui.
-Pronto vó eu estou aqui o que a senhora quer?
-Deodé qual é o motivo da reunião desta cambada de guri na frente do meu portão?
-Sei lá vó, eu não convidei!
-Pois então, ponha para correr estes Ibejes do meu portão, quero tirar o meu cochilo da tarde sossegada.
-E lá ia eu mandar a gurizada embora, entre estes o nego Nando.
O Tamboreiro da vó nesta época era o Leopoldo de Yansãn, seguidamente aparecia para empachar alguns tambores, aproveitando os couros de cabritos de alguma obrigação. Numa tarde tirou para repassar algumas rezas e ensinar os moleques da vila a tocar tambor.
Foi numa destas ocasiões que o Leopoldo de Yansã estava tirando algumas rezas que adentrou o salão o nego Nando. Passou a porta e encostou-se à parede do salão, olhos arregalados e boca-aberta ficou estático de olhos fixos nas mãos do tamboreiro.

Não posso precisar ou afirmar de certeza, mas tenho para mim que daquele dia em diante nunca mais o nego Nando saiu daquela casa. Descobrira finalmente para que viera ao mundo: Para ser tamboreiro.
Passou a ser visita constante e depois de alguns meses se aboletou de cama e mesa, sempre tentando fazer sombra no cargo que até então eu ocupava na hierarquia daquela casa: ou seja, o de mandalete (guri para mandar buscar alguma coisa no armazém). Mais que audácia daquele exu! Nego desaforado querendo me destronar. Se pensar que vai ocupar o meu lugar esta muito enganado, daqui não saiu, daqui ninguém me tira.
Mas, o infeliz tinha pretensões maiores, queria o coração da vó, morada sagrada onde eu comia e bebia de graça, por onde transitava de chinelo de dedo. Bem, ai já é querer demais das benesses da vida e abusar de minha paciência. Decidi que botaria o nego Nando campo a fora.Pensei com meus botões: na primeira oportunidade dou-lhe uma sumanta de pau e ele nunca mais aparece.
Mas que facilidade! Como se isso fosse suficiente.
Ledo engano aquele nego era renitente.
O que não me impediu de aplicar varias surras no infeliz sem conseguir o meu intento, resultado: desisti. Até porque minha técnica demonstrou que quanto mais eu o sovava, mais avó se agarrava de amores pelo nego Nando. E junto aquela criança havia mais de dúzias, e se eu fosse correr todos a pancadaria, teria que bater na gurizada da vila São José inteira. Desisti.
Quando a gente não pode derrotar um inimigo alia-se a ele, e foi o que de fato fiz, passamos a ter um ótimo relacionamento, lógico que tudo que era tarefa difícil eu sendo mais velho, mandava ele executar.
Nos dias de sol quente ou dias de chuva, eu mandava ele ir correndo ao armazém, e lá ia o nego Nando em louca disparada, ia num pé e voltava no outro, eu logicamente, ficava esperando no portão, para a seguir pegar a encomenda e entregar para avó e dizer que fora eu que fizera aquela tarefa, só para ganhar elogios e alguma gorjeta.

Mas, se tinha uma coisa que me irritava era ver o interesse dos tamboreiros da casa pelo nego Nando. Todos sem exceção o adoravam e motivavam-no a tocar. Aquilo me irritava, pois eu não dava para o coro, de instrumento de corda eu não tocava nem sino de igreja, para o tambor minhas mãos eram uma completa negação. Ao contrario do infeliz: Pois era só dar qualquer coisa que fizesse barulho na mão do desgraçado do nego para ele fazer miséria, de caixa de fósforos a cavaquinho, passando pelo violão, pandeiro, agês, agogô, o nego Nando detonava.
Um belo dia um desgraçado de um tamboreiro teve a infeliz idéia de dar o tambor nas mãos do nego Nando. Pra que! Foi um Deus me acuda! No começo ele relutou em aceitar, fazendo corpo mole, ou como diria depois avó, depois de ouvi-lo tocar: “este nego se faz de porco guaxo para mamar deitado”. Foi só ele colocar o tambor no meio das pernas para nunca mais tirar.
Eu assisti a tudo aquilo com uma raiva danada. Cheguei a ponto de maldosamente comentar: que não era ele que havia tocado, mas sim algum espírito que baixara no corpo daquele infeliz. Tal a beleza, a magia e o encantamento do toque lúdico e inebriante que a todos encantou.
E espiem aqui e vejam bem, prestem atenção... Aquela era a sua primeira vez, um debutante no som do Batuque. Não é que o nego Nando parecia um veterano, com direito a floreios nas rezas e nas pancadas no tambor.

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