8.7.12

NEGRO NANDO "parte 2"

( por João Carlos Deodé )


O tempo passou e uma bela tarde sem que ninguém percebesse, ele já sendo de casa entrou sem ninguém ver, passou pela cozinha e foi direto para o salão localizado nos fundos da casa, solito e Deus.
Todos na casa estavam na parte da frente, quando veio um som diferenciado do salão. Era o nego Nando tocando pros Orixás
Resultado: no fim da tarde mais de cem pessoas na frente da casa da avó perguntando se ela estava realizando alguma festa para os Ibejes. A beleza do canto das rezas, o toque daquele tambor, produziu um som que percorreu a vila toda, subiu morro, adentrou a cidade e encantou quem ouviu. Avó teve que pedir para ele arriar o tambor para acabar com a reunião do povaréu na frente de seu portão, e olha que ele tinha somente treze anos. Daquele dia em diante eu soube com a mais absoluta certeza que o nego Nando era um abençoado dos Orixás.
Nego Nando de Bará Lodê tornou-se meu tio de religião. Obrigação feita antes dos quinze anos, na qual tive o prazeroso encargo de ser o zelador nos sete dias que ele fez chão para seu Orixá.
Todos nós sonhávamos um dia nos tornar Babalorixá, usar uma guia imperial e ser tocados pela fama e poder. Ali no momento da consagração eu ouvi da boca daquele menino o que o trouxera para o Batuque
-Deodé eu vim para esta casa para servir os Orixás com minhas mãos e minha voz, eu vou ser tamboreiro, não tenciono ser Babalorixá. No que eu respondi Oxéu. Assim seja.
Nos dias que se seguiram à obrigação eu vi que realmente ele fora abençoado em suas preces, e os deuses ouviram seus pedidos.Pois na semana seguinte ele já estava sentado ao lado do tamboreiro da avó Jovita, Leopoldo de http://xn--yans-joa.No começo para tirar uma palhinha (tocar nos breve intervalos), para depois se tornar um dos melhores tamboreiros do Partenon. Ria feliz, havia concretizado seu sonho.
Nos meses que se seguiram sua dedicação ao estudo dos toques e das rezas foram aprofundadas.Ele dizia: “Tocar tambor qualquer um toca, mas eu quero ser o melhor”.
E foram anos de dedicação e busca de conhecimento, era uma época difícil, os melhores não estavam tão disponíveis assim. Ensinar não é uma coisa tão fácil e os que sabiam não tinham paciência ou tempo para dedicação aos mais jovens. Mas ele não desistia.
Às vezes me convidava a ir a um Batuque lá na Lomba do Sabão, tinha obtido uma informação que um famoso tamboreiro iria tocar uma festa. No que eu me negava, por duas razões, uma que não iria a Batuque sem a minha mãe Miguela de Bará Agelú e a outra que a distância era muito longa.
Na segunda feira nós encontrávamos, eu já sabia que teria novidade e informações de tudo que fora a festa.
E ai negrão como foi o Batuque?
-Não foi.
Como não foi! Tu disseste que irias.
-Fui, mas foi um horror, o cara maltratou o tambor e os Orixás.
Deixa de ser besta negrão tu ta te julgando o melhor.
-Deodé eu sou o melhor e não preciso que tu digas isso para me agradar, porque isso eu estou cansado de saber.
Na época não existiam livros discos ou alguma coisa que servisse de base para o estudo do som do Batuque tudo era aprendido de ouvido. Quem quisesse aprender tinha que viver socado dentro das festas e não tinha meio termo. Afora isto tinha que contar com os favores dos mais antigos, que se dispusessem a ofertar o tambor, o que ainda era a mais difícil. Independente disso a maioria das casas tinham seus próprios tamboreiros, feitos em casa. O novo gurnia ao lado do tamboreiro velho, seco para tocar e ver seus interesses frustrados ao fim de cada Batuque.
O primeiro passo era granjear a confiança do tamboreiro velho e da dona da casa, para no passo seguinte se achegar nos dias de festa e ficar a noite toda ao lado na espera de ver oferecida a oportunidade de tirar uma palhinha. Uma das técnicas usadas na época era tocar o agê e cantar sobressaindo à voz nas respostas das rezas, este destaque era o suficiente para chamar a atenção.
Até tornar-se conhecido e ter o nome reconhecido levava anos e ter paciência, coisa esta que o negro Nando não tinha. Ele tinha pressa, muita pressa, não era de ficar esperando todo este processo.
Sua marca registrada era a obstinação e a teimosia, duas armas que romperam com o preconceito e tabu que na época existia contra os mais jovens, pois ele viera para derrubar tudo que exista de relutância. Chegara sua hora e ele não deixou por menos, vim, vi, toquei e venci.
Naquele ano seu nome tornou-se lenda e os mais antigos tiveram que reconhecer seu talento e o brilho diferençado que tinha nas festas que ele tocava.
Tinha a porta de seu barraco os mais renomados Babalorixás a solicitar os seus serviços. Agenda lotada de compromissos para o ano inteiro, compromissos inadiáveis, marcavam uma carreira de sucesso e granjearam prestigio. Como toda a concorrência pode ser benéfica ou prejudicial, aquela mostraria com o tempo que ele por ser jovem não estava preparado para a fama. As pessoas começaram a ofertar melhores condições e a estas se somaram dinheiro e favores.
Resultado: deixou de tocar para os amigos mais pobre que não podiam cobrir as ofertas e participar do leilão para ter o seu concurso. Só tocava para os mais abastados, a burguesia, nos salões dos mais famosos, local onde tinha mais brilho, mais fartura.
No passo seguinte largou de trabalhar e passou viver do tambor e do que ele pode-se lhe render. Tornara-se um mercenário do som do Batuque, e para tê-lo só com grama alta e de preferência antecipada.
Como nos Batuques da avó Jovita de Xangô o dinheiro que era escasso e que ia parar na mão do tamboreiro era fruto do que era jogado pelo povo sobre o manto de Oxalá, estendido sobre a cabeça dos participantes, que era recolhido e entregue avó, que tirava parte para as despesas e parte para dar um agrado ao tamboreiro. Esta ficou fora da agenda do Negro Nando.
Por não ter cachê antecipado, a vó foi relegada para segundo plano. Resultado: nossas festas não tinham mais a participação do melhor tamboreiro do Partenon, mesmo este sendo cria da casa
De sua vida, pouco se sobe ou quase nada, mesmo que seu nome corre-se de boca em boca granjeando fama e sucesso, as festas de pai Xangô de vó Jovita não tiveram mais sua participação.
O tempo passou e um belo dia aniversário de pai Xangô, estava todos a espera de iniciar o toque, foi quando alguém avisou que o tamboreiro não vinha mais, fora levar a mulher para ganhar neném.
Naquela casa tinha muitos meninos que poderiam tocar aquela festa sem nenhum problema, mas nenhum tinha a responsabilidade e experiência suficiente para uma festa grande e aquela era uma destas. Todos estavam temerosos de entregar para um menino a responsabilidade de seguir em frente.
A vó me chamou em seu quarto e disse: Deodé tu pegas o Juca de Oxalá e vai aqui no sanatório Partenon e busca um tamboreiro que está hospitalizado ali.
fui ao Sanatório Partenon que fica localizado na avenida Bento Gonçalves a duas quadras da casa da avó. Cheguei na Portaria e falei com o guarda de plantão, expliquei quem me mandara ali e o que eu queria. Conhecendo avó, ele foi de uma gentileza impar, me mandou entrar e aguardar.
Desapareceu por alguns minutos e na volta pode ver que ele voltava pelo meio de uma alameda de árvore, cercada de jardim, com um outro homem. No escuro da noite não dava para identificar, mesmo porque era inverno e a pessoa tinha a cabeça coberta por um gorro e envolto no pescoço uma manta de lã.
A pessoa se aproximou e perguntou quem queria falar com ele.
Antecipei-me, sou eu João Carlos de Odé, estou aqui em nome da avó Jovita de Xangô.Tive como resposta seu cumprimento; “oi cara tudo bem, sou eu o Nando de Bará Lodê”.
Pasmado, boquiaberto e assustado, fiquei por breves segundo parado. Sim, era ele o meu menino, mas não era aquela figura que eu tinha na memória. Fraco franzino e tossindo a toda hora ali estava o meu ídolo, o escolhido pelos Orixás para o canto e o toque.
Foi, tocou e entregou a festa, mas não era mais o mesmo, era o principio da decadência, o inicio do fim.
Despediu-se e eu fiz questão de acompanhá-lo até o portão do Sanatório Partenon, era a caminho de minha casa.
Tchau Nando.
Tchau Deodé.
Nunca mais eu o vi, mas o que eu soube, de tudo que eu vira e ouvira, foi da boca da avó Jovita: “Deodé o som dos Orixás não é produto de venda, pois quem pensa que vai levar e abusar deste dinheiro, não sabe que ele se torna maldito, pois se ele for para comprar pão os Orixás dão, mas se for para cachaça e putaria não. Acredite meu neto que o castigo vem a cavalo e de mais a mais, quem toca para Orixá, não toca para Exu”.
E para concluir ela falou: “O que tu viu acontecer com O Nando foi fruto do olho grande por dinheiro e o resultado é que os Orixás tiraram a voz do Nando e junto a sua saúde, mas não te preocupe que ele vai ficar bom, eu cuido dele e toda a semana mando um rancho para a mulher e duas lindas crianças”.
Calei-me e fiquei a lembrar do que tudo que fora no passado o menino Nando de Bará Lodê. De sua promessa na hora da obrigação: “Quero que os Orixás me dêem voz e força nos braços, pois eu vim para servi-los como Tamboreiro e não Babalorixá”. Será?
Bem, passado é passado, vamos em frente que atrás do Bará Lodê sempre vem gente, ou melhor, todos os Orixás.
E tenho dito e quem souber que conte outra.

Bará o Lodê exu ecuo Bará lanã,
Exu o Lodê exu ecuo Bará Lanã.

João Carlos de Odé.

2 comentários:

  1. Se pudesse se dar nota para um texto destes, seria 10. Mas não seria justo, o texto transborda fundamento e ensinamento. E a tal maldição do dinheiro do tambor como falado pela Vó é vista não só no citado no texto mas também em vários tamboreiros antigos e novos. Créditos para o canto de bará Olodê escrito de forma correta "ecuo". Abs

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